sexta-feira, 5 de junho de 2009

EDUCAÇÃO CRISTÃ SEM FRONTEIRAS:Uma Análise Exegética de Tiago 1.1 em tom pastoral


“ Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se encontram na Dispersão, saudações.” Tg.1.1 (ARA)

)Ia/kwboj qeou\ kai\ kuri/ou )Ihsou\ Xristou\ dou\loj tai\\j dw/deka fulai\j tai\j e)n t$\ diaspor#\ xai/rein.(NA27)
INTRODUÇÃO
Não obstante os avanços tecnológicos da modernidade no que tange à doutrinação e/ou educação bíblica,o analfabetismo bíblico ainda é um dos grandes problemas da Igreja dos nossos dias. Se,por um lado,há igrejas que ensinam a Escritura, estas o fazem sem o correto manejo da “palavra da verdade” (cf.II Tm.2.15),por outro lado,há aquelas que mal ensinam ou enfatizam a imprescindibilidade do livro sagrado para a formação do cristão.
No livro de Tiago nós encontramos um significativo incentivo à Educação Cristã da Igreja. O livro é uma verdadeira coletânea de exortações éticas e práticas sobre o comportamento cristão. Há 54 mandamentos em Tiago.
Trata-se de uma instrução cristã que o autor quer comunicar aos seus leitores não obstante quaisquer obstáculos, geográficos,conceituais ou ideológicos.
O livro de Tiago é, sem dúvida, uma coleção de sermões proferidos na congregação pelo autor e depois coligidos em forma de “correspondência” para a edificação de outras comunidades cristãs.
Mas para entendermos melhor esse livro, esse manual de Educação Cristã prática e simples, é preciso que nos debrucemos sobre o que diz o v.1, pois aqui há algumas questões introdutórias importantes que precisamos fazer sobre o livro de Tiago.
A.DIMENSÃO EXEGÉTICA:
ESTABELECENDO O TEXTO
1.1.Delimitação da Perícope
A. Quanto ao Início
Não há dúvidas quanto ao início da perícope neste caso, pois se trata do início do livro em si mesmo e não há variantes textuais de suplementação nesse ponto inicial.
B. Quanto ao final
Não pode haver dúvidas quanto ao final desta perícope nas últimas palavras do v.1, pois a seguir temos, nos vv.2ss, o início óbvio do desenvolvimento do livro, após a introdução caracteristicamente epistolar.
No v.2,os recipientes do discurso que se inicia são invocados como “meus irmãos”, e uma clara mudança de forma e de assunto, em relação ao v.1, é entabulada então.
Portanto, não obstante o aparente trocadilho entre as palavras xai/rein (khaírein [“saudações”; “alegrar”: “alegrem-se”]), no v.1, e xara/n, (khará [“alegria”]), no v.2, estes dois versículos não fazem parte de um mesmo parágrafo. Antes o v.1 compreende (como veremos na análise formal do texto) uma introdução epistolar típica, e o v.2 o início do primeiro discurso exortativo do livro de Tiago.
1.2.Crítica Textual
Nenhuma variante textual consta deste versículo (1.1) na história textual do Livro de Tiago.1
Portanto, a leitura proposta pelo texto grego do NTG, exposta acima, é seguramente a versão original do primeiro versículo do Livro de Tiago (1.1).
1.3.Tradução Literal
“Tiago de Deus e de Senhor Jesus Cristo escravo às doze tribos às na dispersão saudações”
ANALISANDO O TEXTO EXEGETICAMENTE
A.Crítica da Forma Literária
O texto do v.1 pode ser divido, quanto a sua forma, em três seções distintas, de caráter tipicamente epistolar:
1. Remetente: “Tiago de Deus e de Senhor Jesus Cristo escravo”
2. Destinatários: “às doze tribos às na dispersão”
3. Saudação: “Saudações”
Esta forma literária iniciando um texto é tipicamente de caráter epistolar; portanto, trata-se de um Pré-escrito de abertura de epístolas, de modo que este texto pertence ao gênero epistolar clássico da Antiguidade. Eram assim que começavam as cartas antigas no período greco-romano do I século d.C.
E também é assim que começam as cartas paulinas no NT (cf.Rm.1.1-7;ICo.1.1-3;Gl.1.1-5).
No geral, a intenção dessa forma literária condiz com a intenção típica de todo pré-escrito epistolar, isto é, descrever o autor e os destinatários do documento, bem como introduzir a carta com uma breve saudação.
Vale ressaltar também que o estilo de Pré-escrito epistolar aqui adotado é do tipo grego, assim como nas únicas cartas mencionadas no NT (cf.At.15.23;23.26). Isto, de início, já ressalta a linguagem helenística e “ecumênica” do escrito, pois geralmente o modelo de Pré-escrito mais usado pela igreja primitiva era o Oriental, e não o grego.2
O remetente está declinado no caso Nominativo ( )Ia/kwboj), e é acrescido, como nas cartas de Paulo (cf.Gl.1.1;Rm.1.1), por uma construção qualificativa (qeou\ kai\ kuri/ou )Ihsou\ Xristou\ dou\loj). Um expediente comum na expansão de remetentes em correspondências cristãs primitivas.
O destinatário está em dativo com uma especificação de sua localização geográfica (tai\j dw/deka fulai\j tai\j e)n t$\ diaspor#\).
E a saudação é impessoal (xai/rein), como é comum no pré-escrito grego ocidental.
As ampliações no Remetente e nos Destinatários, sem dúvida, querem destacar as credenciais espirituais do Autor, bem como a identidade e localização dos destinatários.
B.Análise Lingüística
A. Vocabulário
)Ia/kwboj = forma helenizada de )Iakw/b (Jacó); Tiago.
Qeou\ = qeo/j = deus;Deus
Kai/ = E;Também
Kuri/ou = ku/rioj = Senhor;senhor;dono;mestre
)Ihsou\ = )Ihsou\j = Jesus; forma grega do nome hebreu Josué ou o posterior Jeshua.
Xristou\ = Xristo/j = Como título: Ungido, Messias,Cristo; como nome próprio: Cristo.
Dou\loj = Escravo;ministro;servo.
Dw/deka = doze
Fulai\j = fulh/ = tribo;nação,povo
Diaspor#\ = diaspora/ = dispersão;diáspora dos judeus Jo.7.35; de cristãos Tg.1.1;IPe.1.1
Xai/rein = xai/rw = regozijar-se;alegrar-se;estar contente; como uma fórmula de saudação: saudações;bom dia.
C. Análise Sintática
1. Remetente
)Ia/kwboj,
Qeou\
kai\
kuri/ou
)Ihsou= Xristou=
dou=loj
Após )Ia/kwboj, (Tiago), temos uma locução predicativa que assevera o autor como “Servo de Deus e de Jesus Cristo”. O verbo auxiliar ser (no gr.ei)mi/) é subentendido no texto.
A última palavra (dou=loj) está no mesmo caso que Ia/kwboj (nominativo) e funciona como predicativo do mesmo; a ordem das palavras está construída numa configuração enfática: a ênfase está não sobre o escravo, mas sobre quem o escravo serve – “Deus e o Senhor Jesus Cristo”. A ausência de artigo em Qeou= e kuri/ou )Ihsou= Xristou= também indica tal ênfase.
O genitivo aqui usado pode ser do tipo Objetivo, indicando que “Deus e Senhor Jesus Cristo” são o objeto do serviço deste escravo chamado Tiago; ou do tipo possessivo, indicando a idéia de que Tiago é um escravo que pertence a Deus e ao Senhor Jesus Cristo. Ambas as conotações são possíveis e esclarecedoras. Mas quiçá a primeira sugestão seja a mais provável.
Fica óbvio o uso da figura do escravo para se referir ao serviço devoto e exclusivo a Deus e a Cristo Jesus conforme o uso que o autor faz de dou=loj aqui em 1.1.
A expressão “as doze tribos” também pode ser tomada aqui de forma simbólica, pois o sistema tribal israelita já não mais existia; aqui refere-se ou aos Cristãos em geral, o “novo Israel” (cf.IPe.1.1), ou aos judeus convertidos a Cristo.
2. Destinatários
tai=j dw/deka fulai=j
tai=j
e)n t$= diaspor#=
A primeira locução dativa (tai=j dw/deka fulai=j) identifica o destinatário.
A segunda locução dativa, desta vez com uma construção preposicional locativa (tai=j e)n t$= diaspor#=), especifíca a abrangência e ao mesmo tempo a localização dos destinatários.
O artigo dativo feminino plural tai=j somado a construção dativo-locativa e)n t$= diaspor#= enfatiza o lugar aonde estão os destinatários da epístola, subentendendo a expressão “que estão na diáspora”.
Portanto, identidade e localização dos destinatários são as duas principais idéias destacadas nesta construção nominal.
D.Crítica da Redação
Essa perícope serve de introdução epistolar ao Livro de Tiago, anunciando o autor das exortações da obra e os recipientes que devem fazer bom uso delas.
O nome do autor (Tiago) não aparecerá mais no restante do livro.
Já o vocábulo “Deus” (Qeo/j) reaparecerá outras quinze vezes em todo o livro, referindo-se sempre ao Deus verdadeiro.
“Senhor” (Ku/rioj) reaparecerá outras treze vezes, ora referindo-se a Cristo, ora referindo-se a Deus Pai; em alguns casos é realmente difícil identificar uma das duas pessoas por de trás do termo “Senhor” ( cf.5.10,11).
O termo “Jesus Cristo” só aparece duas vezes no livro (1.1; 2.1).
O termo “escravo” (dou=loj) só aparece uma única vez em todo o livro (1.1), para descrever a credencial espiritual do autor.
Também as duas palavras “doze tribos” (dw/deka fulai=j) só aparecem aqui, em 1.1 de Tiago.
“diáspora” ou “dispersão” (diaspor#=) também não reaparecem no livro.
O verbo xai/rein também não se repete, sendo usado apenas como saudação no v.1, com exceção apenas de seu cognato nominal xara/ , no v.2.
O binômio “de Deus e de Senhor Jesus Cristo” parece ser típico da redação do autor, pois algo semelhante reaparece em 1.27 e 3.9. Nestes casos, contudo, o binômio refere-se a mesma pessoa, daí a razão porque alguns exegetas querem ler o binômio de 1.1 da mesma forma, como se referindo a Jesus Cristo como Deus e Senhor.3
E.Contexto Histórico: O texto pressupõe a história da dispersão judaica e judaico-cristã para ser plenamente compreendido. Tópicos históricos como diáspora e judeus-cristãos ou judaísmo-cristão devem ser explorados.
“Ao menos a partir do exílio do século VI a.C., os hebreus começaram a se dispersar pelo Oriente Médio e ao longo do Mediterrâneo oriental, tanto assim que no século I a.C. havia um milhão de judeus só no Egito. Boa parte da população de Alexandria era judaica e a maior parte das grandes cidades registrava a presença de uma colônia judaica e de uma sinagoga (ou ao menos, de um lugar de oração, Atos 16,13). Esses eram os judeus da dispersão (em grego diaspora ), às vezes chamados inexatamente judeus helenistas.O helenismo...era ainda a corrente cultural dominante no império romano, e os judeus da diáspora, longe da atmosfera mais conservadora da Palestina, adaptaram-se mais facilmente ao estilo de vida grego. Não abandonaram sua religião e sua cultura, nem deixaram de ser judeus, mas se mostraram mais abertos para o pensamento grego. Muitas das últimas obras judaicas, em particular as redigidas em Alexandria (como Sabedoria de Salomão ou os escritos de Fílon), são profundamente influenciadas pela filosofia grega. Apolo, o douto judeu alexandrino (Atos 18,24), pertencia, sem dúvida, à escola de sua cidade antes de converter-se gradativamente a Cristo.”(Richard France).
B.DIMENSÃO PASTORAL:
I. QUEM ESCREVEU O LIVRO DE TIAGO?
A resposta está no início do v.1: “Tiago”
Quem é esse Tiago?
Esse é Tiago, o irmão do Senhor (Mc.6.3;Mt.13.55).
Ele foi inicialmente incrédulo (Jo.7.5)
Mas converteu-se posteriormente, após encontrar-se com o Senhor Jesus Ressuscitado (ICo.15.7;At.1.14).
Tiago tornou-se um líder forte na Igreja de Jerusalém (At.12.17; At.15.13-21; 21.18-25; Gl.2.9).
Segundo a tradição da Igreja Antiga era denominado,em função de sua dedicação à oração, “Joelhos de Camelo”; Foi martirizado em 62 d.C.,segundo atestou sobre ele Flávio Josefo, Historiador judeu do I d.C.
É realmente explêndido como Cristo pode transformar pessoas e torná-las especialmente úteis para o avanço da fé cristã no mundo.
Como Tiago se Apresenta?
v.1= “Servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”
Há duas confissões importantes nessa frase:
1º Tiago confessa Deus e apresenta-se como seu “Servo” – “Servo de Deus”
A expressão “servo de Deus” é comum no AT para se referir àqueles que em nome de Deus fizeram a sua vontade (Moisés,Dt.34.5;Dn.9.11;Davi,Jr.33.21;Sl.88.4,21;Josué,Jz.2.8);
Um indicativo da Autoridade Espiritual de seu discurso, e de sua piedade,simultaneamente. Tiago tem convicção de sua vocação espiritual.
2º Tiago confessa Jesus, como “Senhor” e “Cristo” – “Servo do Senhor Jesus Cristo”
Tiago não alude à sua filiação física com Jesus, mas a sua filiação espiritual com Ele;
Tiago confessa que Jesus é o Senhor e dono de sua vida;
Ele também dará esta ênfase em outros pontos do seu escrito (cf.2.1;5.7,8);
Mas Tiago também reconhece Jesus de Nazaré como o verdadeiro Messias – o cumprimento do AT.
Este é o único lugar em todo o NT onde alguém se apresenta como “Servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Parece uma “ilustração fraseológica” da unidade e continuidade entre o Antigo e Novo Testamentos.
Tiago se posicionou de conformidade com a compreensão que ele tinha de Deus e do Senhor Jesus – identificou-se como servo de um e de outro.
II. PARA QUEM O LIVRO DE TIAGO FOI ESCRITO?
v.1 = “às doze tribos que se encontram na dispersão”
1) Quanto aos destinatários Históricos
“às doze tribos” = Judeus que haviam se convertido à fé cristã;
“que se encontram na dispersão” = Judeus-cristãos que viviam fora da Palestina,dispersos (cf.At.11.19; Jo.7.35) – Tiago transpõe os obstáculos geográficos para encaminhar seu material parenético,isto é, sua exortação.
Tiago se esforça para dar aos seus leitores,mesmo à distância,uma educação cristã escriturística (AT) que lhes proporcione maturidade e crescimento espiritual, especialmente no campo da conduta do crente.
Quanto aos destinatários Espirituais
Estes são todos os crentes em Cristo Jesus que
Amam a Palavra Deus...
Querem alcançar sabedoria cristã...
Todos os que querem aprender sobre a ética cristã prática e simples do Evangelho de Cristo.
III. COMO TIAGO CUMPRIMENTA SEUS LEITORES?
v.1= “Saudações”
A palavra no original quer dizer,literalmente, “Alegrem-se” (khaírein)!
Um trocadilho que o autor faz com o v.2, o qual inicia os ensinamentos do livro falando sobre a Alegria que devemos ter ao passarmos por experiências probatórias.
Um assunto que iremos desbravar em outra exposição: O Gozo do Sofrimento Cristão
Prof.Izidro
Exegeta e Historiador do PaleoCristianismo
1 Conforme NTG e UBS.
2 No mundo do cristianismo primitivo estavam em uso duas formas:
uma forma grega com frase na terceira pessoa: “X (diz) a Y que se alegre!”;
e na forma oriental em duas frases: uma sem predicado na terceira pessoa, e outra na segunda pessoa – “A a B; alegra-te!” ou “salve!”.
O pré-escrito oriental é o mais usado pelos cristãos primitivos, assim acontece em quase todas as cartas neotestamentárias, em 1 Clemente, na Carta de Policarpo aos Filipenses e no Martírio de Policarpo. O pré-escrito grego encontra-se no NT em Tiago (1.1), na carta das autoridades de Jerusalém que contém o chamado decreto dos apóstolos (At.15.23), estilisticamente correto no escrito de Cláudio Lísias a Félix (At.23.26) e na maioria das cartas de Inácio.
3 François Vouga,A carta de tiago.Loyola:São Paulo.

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